quinta-feira, 16 de abril de 2020

Testamento do Judas - Queima do Judas 2020 Vila do Conde


TESTAMENTO QUEIMA DO JUDAS
VILA DO CONDE
2020




TESTAMENTO QUEIMA DO JUDAS
VILA DO CONDE
2020


Refrão
Quem queres queimar?
Quem queres queimar?
Diz tu, agora. 
Ou põe-te a’ndar!

I

As ruas estão desertas;
O Tempo por ora parado;
As vontades não são certas
— Anda o povo mui frustado

Não há ceia pra ninguém,
Nem mesa para tantos.
A fome não olha a quem
— Do altar caiem os santos

Sem samba e sem lambada,
Vê-se assim nossa gente,
Sem sorte, amotinada;
Tudo longe e ausente.

II

Às baratas chamam tontas;
Tonto também aquele é
Que faz com o cu as contas
E tem em casa bidé.

Deste papel ninguém tira 
O nós que a todos une,
A solidão que nos mira
Desta janela imune.

Do pequeno ao crescido,
Nenhum a ele escapa
— Bicho mau aparecido,
De rompante, neste mapa.

Refrão II
Quem queres queimar?
Quem queres queimar?
Diz tu, agora. 
Ou põe-te a’ndar!

III

Que mal estava o mundo
E as vistas de quem o via.
Mais um passo e era fundo
— Merecido era tal dia.

Abre-se hoje o olhinho
(Até quando, não sabemos).
Encha-s’o copo de vinho!
Antes de tudo, folguemos.

É sempre boa a festa!
Ó v’zinho junte-se aí:
Viver o tempo que resta!
O fim não mora aqui.

IV

De governar só pra si
Os políticos pausaram.
Amamentados por ti,
Medidas desencantaram. 

À varanda batem palmas,
Aqueles que guardam fé;
Amansam o mar nas almas;
Davam tudo por’um café.

Se um cheirinho houvesse
— O mal logo reduzido.
Raios! Era quem te desse
Com o Belzebu benzido.

Refrão III
Quem queres queimar?
Quem queres queimar?
Diz tu, agora. 
Ou põe-te a’ndar!

V

Na têvê fala-se à vez;
Contam-se quase verdades,
Quase quase ou talvez;
Soltam-se as liberdades.

Todo o cuidado é pouco:
Começa a quarentena;
Cada um acaba rouco,
A encerar sua antena.

Do poema à cantiga,
Cada um dá o que pode.
A bondosa mão amiga,
O gesto que nos acode.

VI

Da álgebra linear,
Ninguém poderá fugir;
Nosso drama vai durar.
Só os tolos se vão rir.

Os velhos são os primeiros
— Já estavam esquecidos.
Doutores e enfermeiros,
São hoje reconhecidos.

Todos querem breve fim;
Voltar à mesma rotina.
Há quem dê seu útil rim,
Pra que não cai’á cortina.
VII

Planeta em alvoroço,
A peste a espreitar.
Só nos cabe um tremoço!
— O medo vem almoçar.

Fica em casa — vós pedis;
Em jeito de quem ordena.
Vosso ousar não medis,
Vossa soberba acena.

O bem de todos s’impõe
— Dizes tu, com sensatez;
Já o‘mbigo contrapõe:
É preciso robustez!

Refrão IV
Quem queres queimar?
Quem queres queimar?
Diz tu, agora. 
Ou põe-te a’ndar!

VIII

Esta noite vai já longa;
Tard’a aurora em chegar.
Há quem tente a candonga,
E tudo açambarcar.

Usar máscara ou não
— Assim vai o Carnaval!
Import’é lavar a mão,
Nesta lua medieval.

Desinfectar sua boca,
Pode parecer de mais;
Se a cabeça for oca,
Sempre se poupam uns ais.

IX
É sábado e é noite,
Não há febre, nem sinal
Qu’este fogo vos açoite;
Sorri! Não será por mal.

Esperavas, certamente,
Minha língua afiada
(Algo está diferente),
Mostra-se agoniada?

Compaixão também sinto
— Não precisais estranhar.
Nesta verdade vos minto,
P’ra não me envergonhar.
X

Tanta carga a vós deixo
Que a meti num contentor;
Não foi, não senhor, desleixo,
Nem meu coração traidor.

Há quem não olhe a meios,
Para atingir seus fins.
A esses mostro os seios
Que sabem a berbequins.

Diz que roubar a ladrão
(Acto que jamais ousei)
Dá cem anos de perdão
— Esse nunca eu achei.
Refrão V
Quem queres queimar?
Quem queres queimar?
Diz tu, agora. 
Ou põe-te a’ndar!

XI

Tudo a preço da China,
Gostavas vós de comprar.
Tão grande era a mina,
Não havia como fechar.

Ó Corona seu ingrato,
Que bem que tu nos tramaste;
Preferes lebre por gato,
Que tarde nos avisaste.

Vamos ter de começar,
De novo a aprender;
À escolinha voltar;
Em nossa casa fazer.

XII

A natureza agradece
Esta forçada paragem.
O futuro não aparece,
Sem uma boa lavagem.

Consumo desenfreado,
Consciência senil;
O amanhã abismado
— Vossa sandes de pernil.

Querias tudo pra ontem;
Hoje não sabes que fazer,
Sem que outros te apontem
Caminho a percorrer.
XIII

Anseias a Primavera
Mas recebes o Inferno.
Qualquer um se torna fera,
Por muito que seja terno.

Ver-se assim enjaulado,
Não é coisa desejada;
Houvesse um rebuçado,
Pra lembrar nossa amada

Família e amigos
— esses pilares d’outrora,
Desses tempos nunca idos
Dos corações para fora.

Refrão VI
Quem queres queimar?
Quem queres queimar?
Diz tu, agora. 
Ou põe-te a’ndar!

XIV

A vós, que sois artista,
A sorte é bafejada;
Dão-vos um pouco d’alpista
— Ai que bela bordoada!

Não será projecto fácil
— Galinheiro só com galos;
Afaste-s’o gesto vil
De a todos depená-los.

De migalhas sobrevivem,
Estes que tanto amais.
Não permitas que salivem,
Por esse osso que dais.

XV

Fica muito por dizer,
Outro tanto por pensar. 
É tempo de o fazer;
Antes isso que boiar.

Há quem lhe declare guerra,
Uns vêem ocasião.
Eu deixo-vos esta terra,
Para que lhe dês a mão.

Façamos ora a festa!
Essa bem anunciada.
Não teime em ser funesta
A mensagem terminada.

Refrão VII
Quem queres queimar?
Quem queres queimar?
Diz tu, agora. 
Ou põe-te a’ndar! 


Judas 2020 



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